sexta-feira, 19 de março de 2010

26. Não é porque um caranguejo morre que o mangue todo se põe de luto


A morte do corpo físico é a maior certeza que temos na vida. No entanto, encará-la, aceitá-la e tecer comentários sobre ela é sempre algo doloroso e difícil (até para as pessoas espiritualistas ou mesmo para aquelas que são consideradas mais espiritualizadas). Porém, não é por ser doloroso falar sobre a morte que se deixará de comentar o assunto. Até porque a sabedoria popular nos ensina a refletir sobre o tema de maneira muito suave. Utilizando-se de provérbios que demonstram o quanto somos infantis em fazer drama sobre a morte.

Contudo, seria ainda mais infantil, ou mesmo pretensioso de nossa parte, dizermos que este fato não nos causa nenhuma dor, que “a morte não pode ser considerada uma perda, uma vez que só perdemos o que é nosso - o que temos como propriedade”, e que “um ser vivo não é propriedade de ninguém, que ele pertence ao universo”. Isto é muito bonito na teoria! Não na prática!

A morte nos causa uma dor, sim! A “dor da ausência”, ou melhor, a dor da presença em nosso coração, quase que constante, de alguém cujo corpo não podemos mais tocar. Todavia, seja qual for o tipo de dor que a “Rainha da Foice” – “A Dama de Branco” – nos causa, ela é um fato. E, como todo fato real, precisa ser encarado de frente!

A morte é um remédio amargo que somos obrigados a engolir. E não adianta fazermos “caretas”, nem “birra” de criança. Ela acontecerá independente da vontade humana! Porém, o povo nos consola dizendo que os remédios mais eficazes são aqueles que “descem travando pela garganta”. O que nos indica que a morte pode ser uma das “drogas” (o termo droga está sendo usado aqui como sinônimo de remédio) que o “Universo” nos oferece, a fim de que curemos os males do físico e da alma, através de uma transformação.

A transformação do ser talvez seja
o verdadeiro sentido da morte.
Afinal, “no universo nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma”.

Ouvi a frase anteriormente citada, pela primeira vez, dias depois de ter “perdido” o meu avô. Percebi imediatamente que eu não o tinha perdido. Ele, provavelmente, estava apenas passando por uma transformação. Pois, assim como a fruta morre para que as suas sementes se transformem em algo maior – uma outra árvore –, meu avô teria morrido para dar continuidade ao seu processo de transformação e consequente crescimento.

Meu primeiro aprendizado sobre a morte me foi, então, transmitido através de uma frase científica: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. O segundo, no entanto, adveio de um provérbio popular: “Não é porque um caranguejo morre que o mangue todo se põe de luto”.

Estávamos todos bastantes abalados com a morte súbita do grupo musical “Mamonas Assassinas” (grupo que tinha uma forma toda própria e especial de transmitir alegria), quando alguém disse o ditado acima. Todos ficaram revoltados com a forma despreziva que o sentimento coletivo de dor tinha sido tratado. Porém, a “sábia” pessoa fez questão de explicar-se, dizendo: “Não é porque uma pessoa cai que todos devem atirar-se no chão. Ao contrário, as pessoas devem ficar em pé para poder levantar quem está caído. Assim, não é porque alguém morre que devemos partir junto com este alguém. Devemos, sim, tentar guardar as lições que ele nos passou em vida. E a maior lição que os Mamonas nos deixou foi a alegria. Por que então nos entregaremos à tristeza?”.

Foi seguindo essa filosofia de vida que quando minha avó morreu (apesar de toda a saudade), ao invés de “curtir” e alimentar tristezas insolúveis, preferi alimentar o meu corpo que ela cuidou durante tanto tempo e com tanto carinho: fui para o fogão e preparei um prato que ela me tinha ensinado quando eu ainda era uma criança. Procurei, com este gesto, demonstrar que a sua estadia aqui na Terra não tinha sido em vão. O doce que fiz simbolizava tudo o que ela me ensinou, inclusive as sábias lições de vida transmitidas através dos ditados populares. Como é o caso de um que diz: “todo mundo é bom mais meu capote sumiu”. Apesar de tê-lo ouvido aos treze anos, precisei transformar-me em mulher, precisei deixar de ser “exageradamente” sonhadora (porque, sonhadora, nunca deixarei de ser), para poder compreendê-lo. Pois os ensinamentos do povo nunca envelhecem. Nós é que somos, muitas vezes, imaturos para captarmos as suas lições.



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